A cadeia de valor de software: desvendando a construção de vantagens competitivas
Pensando em camadas
Cadeia de valor é o fluxo que descreve as etapas do início ao fim de algum produto. Tipicamente visualizamos essas cadeias em uma sequência horizontal e seu principal valor, além do entendimento da dinâmica do mercado, está no entendimento de onde as maiores margens se encontram e, consequentemente, as maiores oportunidades.
No entanto, o modelo horizontal é útil para negócios mais tradicionais, mas não tanto para negócios de software. Quando pensamos nesse contexto, nos beneficiamos ao considerar um stack vertical, onde as camadas inferiores alimentam as superiores.
Esse artigo explora as vantagens de se pensar em camadas para a construção de vantagens competitivas, as principais camadas que compõem empresas de software e um framework arquitetônico para a camada de aplicações que possui a maior massa crítica de negócios.
Por que pensar em camadas?
Um elemento em comum de grandes empresas é que todas possuem um moat, que é o mecanismo de defesa contra os competidores e que protege as margens e lucros por um período prolongado. O moat, aliado a uma capacidade de captura de valor, é a receita para um negócio incrível.
Quanto mais baixa a camada, maior o poder de ditar os termos, condições e definir os padrões das camadas acima. Portanto, empresas de maneira em geral buscam:
1- Construir camadas em cima da sua atual - toda empresa quer ser, em algum nível, uma plataforma;
2- Mover para baixo nas camadas para aumentar a defensabilidade - e consequentemente fortalecer seu moat.
Pegando o Google como exemplo, que começou como uma página de ranqueamento de buscas em outros sites. Com a superioridade do seu algoritmo, a empresa conseguiu se tornar o mecanismo de busca principal de vários usuários, conquistando a sua primeira camada. Afinal, existem milhares de sites mas apenas uma camada de busca homepage.
No entanto, sua principal ameaça estava no fato de que a empresa não controlava os browsers que permitiriam esse acesso. Não é à toa que a página padrão do Internet Explorer (Microsoft) não era o Google, mas sim o seu próprio engine de busca, o Bing.
A fricção de mudar a homepage fez com que muitas pessoas não o utilizassem como o seu principal meio de acesso, levando a criação do seu próprio browser: o Google Chrome. Que por sua vez, estabeleceu como padrão a página de busca do Google.
Da mesma forma que ao adquirir o sistema operacional Android a empresa passou a ter mais controle do ecossistema a ser construído nas camadas superiores, pré-instalando o Google Chrome nos dispositivos.
Na camada de base, a empresa ainda precisa coexistir com iOS e, para dimensionar o valor dessa camada de base, é estimado que o Google pague anualmente $20B para ser o mecanismo de busca padrão no Safari que também é pré-instalado nos iPhones. Agora chega de defender sua importância e vamos às principais camadas que compõem a cadeia de valor de software.
As três principais camadas
Aplicações
São as camadas do topo e consequentemente o grosso das empresas de software que encontramos no mercado. São os sistemas que se propõem a resolver dores específicas dos seus clientes finais. Os principais sistemas são os de registro (Pipedrive), trabalho (Trello), comunicação (Slack), inteligência (Tableau), transação (Pagar.me) ou de integração (Zapier).
Dada a ampla variedade de aplicações existentes, cada uma terá um moat específico - no entanto, o que a maioria possui em comum é a arquitetura sobre a qual são construídos:
1. Interface: é a forma como o cliente/usuário interage com a solução. Os meios mais comuns são via um aplicativo e website próprio, via meios de comunicação como whatsapp ou até mesmo via outras aplicações (embedded).
2. Regras de negócio: é o cérebro da aplicação, a camada onde será feito o processamento, controle e gestão da lógica do negócio. São os workflows e autenticações desenhados para executar a principal função sendo proposta pela aplicação de forma automática.
3. Dados: camada de extração, transformação e carregamento da informação para o local desejado, seu output sendo o input para a camada de regra de negócio. É a parte do stack que lida com banco de dados (MongoDB, Postgress) e servidor de nuvem (AWS, Azure).
Por exemplo, a Klaviyo, uma aplicação de automação de marketing, compartilhou em seu S-1 (documento de registro para IPO) sua arquitetura de produto, destacando suas três principais camadas e como elas se retroalimentam:
Plataformas:
Nas palavras de Jobs, são as bicicletas da mente. Sua principal função é amplificar a capacidade de criação ao removerem a fricção do processo, democratizando o lançamento de novas soluções.
As plataformas unificam as diferentes necessidades dos seus clientes em um único lugar para simplificar e baratear suas soluções. Pense na dificuldade que seria se cada companhia tivesse que desenvolver seu próprio Shopify ou Stripe para fortalecer o seu produto principal. A não ser que fosse core, provável que poucas fariam.
Tipicamente, as plataformas simplificam a complexidade de integrar com múltiplos provedores, garantir a segurança e escalabilidade, deixando mais tempo para seus clientes pensarem nos seus produtos e como gerar demanda. As tarefas dessa camada naturalmente trazem os moats de switching costs, singlehoming e economia de escala (principalmente operacional).
Aqui, vale um parênteses para ressaltar que plataformas e agregadores não são a mesma coisa. Google, Meta e Amazon têm como principal proposta de valor a geração de demanda para seus clientes (via ads) e essa força vem da sua capacidade de agregação de oferta e demanda. Em paralelo, são modelos que se beneficiam do moat de efeito de rede onde seu valor aumenta com o aumento de usuários.
Em resumo, plataformas aumentam a capacidade de estruturação de novos negócios enquanto agregadores são os geradores de demanda. Voltando para a visão de camadas, ambos modelos coexistem gerando e capturando valor em cima do mesmo cliente e potencializando uns aos outros:
Infraestrutura:
Também conhecido como “picks and shovels” da indústria, é uma referência à corrida do ouro, quando quem mais ganhou dinheiro não foram os 49ers, mas sim quem vendia os equipamentos que permitiam sua atividade. É onde boa parte do valor acaba sendo capturado.
É a camada de base que armazena e processa dados de maneira geral. Sua principal característica é o envolvimento de hardware, são os servidores necessários para conseguir hospedar centenas de milhares de empresas na nuvem (AWS, GCP, Azure), as fábricas de produção dos processadores que vão desde microchips utilizados nos computadores e celulares (TSMC, Intel) a GPUs utilizados para jogos e para o processamento de uma base de dados mais ampla e complexa (AMD, NVIDIA).
Os negócios de infra possuem uma dependência de investimento elevado em CapEx e P&D para sustentar sua melhoria contínua e produção em massa e como consequência, seu principal moat é a economia de escala.
O exemplo mais recente e em voga é o caso da NVIDIA, produtora dos processadores (GPUs) por trás da revolução da inteligência artificial. Boa parte do dinheiro de venture sendo alocado em startups de AI está sendo gasto na aquisição dos equipamentos necessários para o processamento de grandes bases de dados ou com plataformas como OpenAI que também dependem desses processadores.
Onde investir? Aplicações > Plataformas > Infraestrutura
Quando olhamos para a quantidade de empresas versus o valor gerado por cada camada, temos uma relação de que quanto mais baixo no stack (infraestrutura), menos empresas teremos e maior será o valor de mercado médio. No entanto, a necessidade de capital para se construir negócios nas camadas inferiores também é consideravelmente maior.
Se pegarmos os exemplos das 3 principais provedoras de hospedagem, AWS, GCP e Azure, segregando somente o negócio de nuvem, juntas, possuem um valor de mercado de U$2.1 tri e quando olhamos na camada de aplicações, as 100 maiores companhias chegam no equivalente desse valor de mercado.
O fato da camada de aplicações ter uma necessidade de capital menor e uma diversidade de necessidades maior, as chances de sucesso ao investir na mesma é muito maior do que na camada de infraestrutura (Tom Tunguz).
Portanto, seja no chapéu de investidor ou de empreendedor, pensar sobre camadas é sobre como dosar a equação risco x retorno e endereçar o caminho de longo prazo na construção do seu moat.
Inspirações: